A possibilidade de recuperação judicial do produtor rural
Autor: Sara Cury
Data: 07/06/2023
O procedimento de Recuperação Judicial, regulamentado pela Lei 11.101/2005, permite que o empresário ou sociedade empresária em crise econômico-financeira sanável tenha uma possibilidade de se reestruturar, por meio dos mecanismos de reorganização empresarial previstas no dispositivo legal. A seguir, veja qual a possibilidade de recuperação judicial do produtor rural.
Para o requerimento dessa, é necessário que no momento do pedido a empresa devedora cumpra alguns requisitos, previstos no artigo 48 da Lei 11.101/2005. Inicialmente, a empresa precisa exercer suas atividades de forma regular há mais de dois anos, bem como atender aos requisitos dos incisos do artigo, quais seja:
- (1) não ser falido,
- (2) não ter obtido, há menos de cinco anos, concessão de recuperação judicial comum ou com base no plano especial para ME e EPP, e
- (3) não ter sido condenado, nem possuir como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos na lei falimentar.
Quem pode requerer Recuperação Judicial
Podem requerer Recuperação Judicial as sociedades empresárias e os empresários, bem como as cooperativas médicas[1] e o produtor rural, estando o segundo sujeito a requisitos diferenciados passíveis de análise em razão de recente pacificação quanto ao tema. Como mencionado, em regra, é necessário que haja o exercício de forma regular há mais de dois anos pela empresa que requer a Recuperação Judicial.
É neste ponto que se encontra a questão principal relativa ao acesso do mecanismo de recuperação pelo produtor rural, pois, para o exercício empresarial regular, é essencial que a empresa esteja devidamente registrada, sendo obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade[2]. O que não se aplica ao produtor rural que requeira o mecanismo recuperacional.
Isso, pois enquanto às sociedades empresárias o registro seja ato constitutivo das mesmas, ao produtor rural este é uma faculdade, sendo ato meramente declaratório de sua condição de empresário – não possuindo, assim, finalidade constitutiva[3]. Daí abriu-se ao produtor rural a possibilidade de requerer a Recuperação Judicial sem a necessidade dos dois anos de registro, ainda que de forma restrita inicialmente.
Frise-se que tal possibilidade conferida ao ruralista se fortaleceu com a inclusão do art. 70-A na Lei 11.101/2005 pela Lei n. 14.112/2020, que, inclusive, garante a este produtor rural a prerrogativa de apresentação de um plano especial de recuperação judicial, nos mesmos moldes dos Microempresários e Empresários de Pequeno Porte, quando o valor da causa não exceder a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais).
Foi diante desse panorama que a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos, estabeleceu em junho de 2022 o Tema 1145, que dispõe: “ao produtor rural que exerça sua atividade de forma empresarial há mais de dois anos é facultado requerer a recuperação judicial, desde que esteja inscrito na Junta Comercial no momento em que formalizar o pedido recuperacional, independentemente do tempo de seu registro”.
Assim, o exercício de forma regular do produtor rural se atesta independente de inscrição na Junta Comercial por mais de dois anos, bastando comprovar o exercício profissional de atividade econômica rural organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços, que pode ocorrer por meio da análise do Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), ou de demais obrigações contábeis que substituam o documento anterior, bem como pela declaração do imposto sobre a renda da pessoa física e balanço patrimonial.
Ou seja, a partir de junho de 2022, estendeu-se, efetivamente, ao produtor rural em situação de crise econômico-financeira sanável a possibilidade definitiva de recorrer ao processo de Recuperação Judicial, de forma a resguardar também a sua função social e a manutenção da atividade econômica rural
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[1] Conforme art. 6°, §13, Lei 11.101/2005: “Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica: (…) §13. Não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial os contratos e obrigações decorrentes dos atos cooperativos praticados pelas sociedades cooperativas com seus cooperados, na forma do art. 79 da Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, consequentemente, não se aplicando a vedação contida no inciso II do art. 2º quando a sociedade operadora de plano de assistência à saúde for cooperativa médica.”
[2] Conforme art. 967 do Código Civil: “É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade.”
[3] Conforme art. 971 do Código Civil: “O empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro”.
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