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Prescrição e suas nuances processuais

Autor: Equipe Reis Advogados

Data: 27/12/2023

No âmbito da recuperação de crédito, um dos maiores riscos enfrentados pelos credores, e principalmente pelos operadores do direito, é o instituto da Prescrição. Dessa forma, o presente artigo, não pretende esgotar conceitos de ordem doutrinária e jurisprudenciais acerca de todas as peculiaridades do instituto, mas, sim, abordar de forma objetiva a fim de trazer as nuances e implicações da prescrição e suas regras de transições nos processos judiciais de recuperação de crédito.

Inicialmente, importante esclarecermos que a prescrição é conceituada no Código Civil [1], como a extinção da pretensão da prestação devida, pelo decurso do tempo. Deste modo, a prescrição se caracteriza por ser a perda da pretensão, pelo não exercício, ou seja, da possibilidade de reclamar em juízo o direito material lesionado [2].

Já a prescrição intercorrente, ocorre na seara judicial, em que durante o andamento do processo, a parte Requerente/Exequente, perde o direito de exigir alguma prestação em razão de sua inércia durante o decorrer do processo.

Quanto ao tempo para ocorrência de prescrição, este é fixado nos Artigos 205 e 206 do Código Civil, ou seja, prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação, conforme disposição da Súmula 150 do Superior Tribunal Federal [3].

Assim, para minimizar os riscos de ocorrência da prescrição intercorrente, afastando a irrecuperabilidade dos créditos, é necessário acompanharmos as alterações referente a prescrição, diante disso, imperioso entendermos as regras de transição do referido instituto entre o Código de 1973 e 2015.

Em síntese, o CPC/73, previa em seu Artigo 219, §5º, que: o juiz pronunciará de ofício a prescrição [4].

Ocorre que, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, em razão do grande número de processos judiciais distribuídos antes da vigência da referida legislação, a jurisprudência recepcionou os conflitos sobre a prescrição intercorrente da legislação entre o Código de Processo Civil de 1973 e o Código atual, no Incidente de Assunção de Competência 1, decorrente do (Recurso Especial 1.604.412, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze), vejamos:

RECURSO ESPECIAL. INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. CABIMENTO. TERMO INICIAL. NECESSIDADE DE PRÉVIA INTIMAÇÃO DO CREDOR-EXEQUENTE. OITIVA DO CREDOR. INEXISTÊNCIA. CONTRADITÓRIO DESRESPEITADO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

  1. As teses a serem firmadas, para efeito do art. 947 do CPC/2015 são as seguintes:
    1. Incide a prescrição intercorrente, nas causas regidas pelo CPC/73, quando o exequente permanece inerte por prazo superior ao de prescrição do direito material vindicado, conforme interpretação extraída do art. 202, parágrafo único, do Código Civil de 2002.O termo inicial do prazo prescricional, na vigência do CPC/1973, conta-se do fim do prazo judicial de suspensão do processo ou, inexistindo prazo fixado, do transcurso de um ano (aplicação analógica do art. 40, § 2º, da Lei 6.830/1980).
    1. O termo inicial do art. 1.056 do CPC/2015 tem incidência apenas nas hipóteses em que o processo se encontrava suspenso na data da entrada em vigor da novel lei processual, uma vez que não se pode extrair interpretação que viabilize o reinício ou a reabertura de prazo prescricional ocorridos na vigência do revogado CPC/1973 (aplicação irretroativa da norma processual).

1.4. O contraditório é princípio que deve ser respeitado em todas as manifestações do Poder Judiciário, que deve zelar pela sua observância, inclusive nas hipóteses de declaração de ofício da prescrição intercorrente,

devendo o credor ser previamente intimado para opor algum fato impeditivo à incidência da prescrição.

  • No caso concreto, a despeito de transcorrido mais de uma década após o arquivamento administrativo do processo, não houve a intimação da recorrente a assegurar o exercício oportuno do contraditório.
  • Recurso especial provido.

Na jurisprudência mencionada, temos que foi fixado o marco temporal de início da contagem do prazo prescricional nas demandas ajuizadas sob a égide do CPC/73, sendo cristalino o entendimento que, inicia-se a contagem do prazo de prescrição intercorrente, após o decurso do prazo de suspensão.

Em outras palavras, no caso de suspensão do feito por ausência de bens, caso não fosse fixado tempo pelo magistrado, o processo ficaria suspenso por 01 (um) ano, e assim, após o decurso do referido prazo, iniciaria a contagem do prazo prescricional.

Exemplificando, suponhamos que uma execução em andamento para recuperação do crédito decorrente de duplicatas, que possuem o prazo de prescrição de 03 (três) anos, nos termos do Art. 206, §3º, VIII do Código Civil [5], que foi distribuída em 2010.

No curso da demanda, não foram localizados bens passíveis de penhora, e com isso o processo foi suspenso por ausência de bens, em 2012, pelo prazo de 01 (um) ano. A suspensão do feito encerrou-se em 2013, e o processo permaneceu arquivado sem qualquer manifestação da Exequente.

Neste momento que se findou o prazo de suspensão, há o marco inicial de contagem da prescrição intercorrente. Logo, iniciando-se em 2013, o processo estaria prescrito em 2016, salvo hipóteses de impulsionamento efetivo no feito.

Além disso, também foi esclarecido no julgado, o entendimento quanto a necessidade do contraditório, isto é, a prévia intimação do Exequente para manifestar.

Entretanto, importante atentarmos que a prévia intimação está diretamente ligada ao Princípio da Não Surpresa, dispositivo inovado no Código de Processo Civil de 2015, recepcionado no Art. 10 da referida lei [6], de modo que o magistrado não profira decisão de reconhecimento de prescrição sem oportunizar a Exequente a apresentação de manifestação que seja capaz de opor algum fato impeditivo à sua ocorrência, ou seja, demonstrar que houve o efetivo impulsionamento no feito.

Assim, entendemos que a referida manifestação do Exequente, não pode ser pautada na alegação de falha do judiciário, que não intimou a Exequente para manifestar, pois esta alegação em verdade se trata de tentativa de persuadir o Juízo afastando a desídia processual.

Dessa forma, de maneira sutil e objetiva, a ausência de intimação da Exequente, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não implica fato hábil a afastar a prescrição, pois, entendeu-se que o credor deve promover todas as medidas necessárias à conclusão do processo, visto que é interesse legitimo da Exequente, não sendo possível a vinculação perpétua a lide.

Dessa forma, referente aos processos judiciais distribuídos ainda na vigência do Código de 1973, imperioso a análise de risco quanto a ocorrência de prescrição intercorrente, vez que, na hipótese de sentença reconhecendo o instituto jurídico, e com base no entendimento jurisprudencial firmado, a probabilidade de êxito em sede recursal é remota.

Esclarecidas as regras de transição do código antigo para o atual, cabe darmos sequência à recente alteração legislativa nº 14.195/2021, no Código

de Processo Civil de 2015, especificamente referente ao Art. 921, §4º do CPC [7].

A prescrição prevista no Art. 921 do CPC antes da alteração, previa que o instituto ocorrerá no curso da ação, na hipótese de o executado não possuir bens penhoráveis (artigo 921, inciso III), ou seja, no caso a execução seria suspensa por um ano (921, §1º) e, decorrido o lapso temporal sem manifestação do exequente, se iniciaria então o prazo da prescrição intercorrente (921, § 4º), independente de intimação da Exequente para dar prosseguimento ao feito

Com o advento da lei nº 14.195/2021, a redação do inciso III, do Art. 921, foi modificada e trouxe como causas de suspensão da execução a não localização tanto de bens penhoráveis, quanto do próprio executado (citação). Além disso, o §4º do mesmo artigo, foi integralmente modificado, gerando impacto no trâmite processual da execução.

O impacto se dá em razão da modificação do termo inicial da contagem do prazo de prescrição intercorrente que passou a ser a “ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis”, sendo que antes, a contagem inicial era após o decurso de suspensão por 01 (um) ano. Outro ponto de atenção, é quanto a suspensão da execução, prevista no

§1º do mesmo artigo, que se dará “por uma única vez” no prazo máximo de um ano.

Outra inovação foram as hipóteses expressas de interrupção do prazo da prescrição, por meio da inclusão do §4º-A ao artigo 921, quais sejam, a efetiva citação, a intimação ou a constrição de bens penhoráveis do executado, entretanto, o prazo da prescrição não corre pelo tempo necessário para a citação, intimação do Executado, bem como para as formalidades de constrição patrimonial.

Cumpre ressaltar, que o Exequente deverá cumprir todos os prazos previstos em lei processual ou fixados pelo Juiz, para que nesta hipótese o prazo de prescrição seja interrompido.

Além disso, a morosidade do judiciário não implicará no reconhecimento da prescrição, no entanto, é dever e interesse do credor promover atuação no processo de execução de forma eficiente.

Com o reconhecimento da prescrição, uma mudança substancial trazida pela Lei nº 14.195/2021 é a ausência de ônus para as partes, incluindo os honorários de sucumbência. Essa perspectiva é consolidada pelo entendimento pacífico do STJ (REsp 2025303/DF). Analisando os efeitos práticos das alterações mencionadas, notamos que, especialmente, o disposto no §4º, de certa forma, reduz a atuação no processo executório de maneira prejudicial ao credor, diante da modificação do termo inicial para contagem da prescrição, assim como limitou a possibilidade de suspensão do processo para apenas uma vez ao longo do tramite do processo.

Desse modo, em análise crítica a alteração legislativa, o ônus para garantia da execução com êxito recairá intensamente sobre o Exequente, ora credor, que estará compilado a se valer de meios efetivos para localização do próprio Executado, bem como de bens quantos bastem para resguardar a recuperação de seu crédito e não se ver prejudicado pela ocorrência do instituto da prescrição intercorrente. Lado outro e não menos importante, ainda há possibilidade da lei que alterou os dispositivos processuais ser declarada inconstitucional, diante da ADI 7005 em andamento, pelo motivo de que, as alterações processuais se ocorrerão após conversão de Medida Provisória (MP) em Lei, em cumprimento dos requisitos de urgência, violando dispositivos constitucionais, especialmente o Art. 62, §1°, alínea “b”, da CF, que veda a edição de MP que verse sobre matérias de Direito Processual Civil.

Portanto, em que pese a vigência da legislação, imperioso o operador do direito estar atento aos detalhes processuais para análise da melhor estratégia processual minimizando o risco de ocorrência da prescrição e efetiva recuperação do crédito.

Isadora Ribeiro, Marcos Mota e Nathália Rosemberg.

Reis Advogados, Uberlândia-MG.

Fontes:

  • BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
  • Guilherme, Luiz Fernando do Vale de Almeida. Código Civil Comentado. Série Descomplicada. São Paulo: Rideel, 2013. p. 130.
  • BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Súmula n° 150 STJ.
  • BRASIL. LEI N o 5.869, DE 11 DE JANEIRO DE 1973. Institui o Código de Processo Civil. Artigo 219, §5º.

Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição. […] § 5º O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição

  • BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Artigo 206, §3º, VIII.

Art. 206. Prescreve: […] § 3º Em três anos: […] VIII – a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial;

  • BRASIL. LEI N o 5.869, DE 11 DE JANEIRO DE 1973. Institui o Código de Processo Civil. Artigo 10.

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

  • BRASIL. LEI N o 5.869, DE 11 DE JANEIRO DE 1973. Institui o Código de Processo Civil. Artigo 921, incisos e parágrafos.

Art. 921. Suspende-se a execução: I – nas hipóteses dos arts. 313 e 315 , no que couber; II – no todo ou em parte, quando recebidos com efeito suspensivo os embargos à execução; III – quando não for localizado o executado ou bens penhoráveis;IV – se a alienação dos bens penhorados não se realizar por falta de licitantes e o exequente, em 15 (quinze) dias, não requerer a adjudicação nem indicar outros bens penhoráveis; V – quando concedido o parcelamento de que trata o art. 916 . § 1º Na hipótese do inciso III, o juiz suspenderá a execução pelo prazo de 1 (um) ano, durante o qual se suspenderá a prescrição. § 2º Decorrido o prazo

máximo de 1 (um) ano sem que seja localizado o executado ou que sejam encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos. § 3º Os autos serão desarquivados para prosseguimento da execução se a qualquer tempo forem encontrados bens penhoráveis. § 4º O termo inicial da prescrição no curso do processo será a ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis, e será suspensa, por uma única vez, pelo prazo máximo previsto no § 1º deste artigo. § 4º-A A efetiva citação, intimação do devedor ou constrição de bens penhoráveis interrompe o prazo de prescrição, que não corre pelo tempo necessário à citação e à intimação do devedor, bem como para as formalidades da constrição patrimonial, se necessária, desde que o credor cumpra os prazos previstos na lei processual ou fixados pelo juiz

  • BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Artigo 62, §1º, I, alínea b. Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I – relativa a: […] b) direito penal, processual penal e processual civil;

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